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Atanasios

Atanasios - Um conto espírita

Amar a Deus sobre todas as coisas … e ao próximo como a si mesmo!

Atanasios era um daqueles monges eremitas que se entragava totalmente ao esforço de dominar suas paixões e colocar em sua mente apenas a imagem de Deus.

Desde manhã bem cedo, quando despertava, até o momento em que se colocava a dormir, já bem depois do sol ter se posto, recitava continuamente “Pai nosso, que estais nos céus, …”, só interrompendo-se para atender as necessidades de sobrevivência.

Alimentava-se frugalmente, apenas algumas verduras e frutas que colhia e água de uma fonte próxima.

Tão grande era seu empenho que granjeara fama de santo e muitos buscavam o eremitério apenas para observar sua profunda devoção. Nada o distraia ou abalava, continuava orando, até com mais empenho para afastar-se da atenção que involuntariamente atraia.

Alguns dos que visitavam o eremitério, vendo sua extrema magreza e palidez, deixavam-lhe alimentos. Um dia, uma raposa se acercou com muito medo e furtivamente roubou o que pôde das oferendas. O eremita até percebeu, mas ignorou.

A cena passou a repetir-se e o eremita, distraindo-se de sua concentração, viu que a raposa não comia ali, pegava os alimentos e os levava. Mordido pela curiosidade, seguiu o animal e percebeu que esta alimentava sua ninhada. Compadecido finalmente de algum ser, passou a facilitar-lhe a tarefa, separando os alimentos que poderiam interessa-la e colocando-os em local de mais fácil acesso.

A ninhada cresceu, vieram outras ninhadas e a raposa aprendeu a confiar no eremita. Aproximava-se sem medo para pegar a comida e se afastava sem incomodar os intermináveis Pai Nossos.

O tempo passou e chegou o dia em que o eremita notou que ela não aparecia mais. Facilmente encontrou o local onde esta costumava se abrigar e percebeu que estava adoentada. Abrindo uma exceção em sua rotina, a alimentou e cuidou até que esta partiu para o além túmulo.

Foi difícil ao eremita acostumar-se novamente com a solidão absoluta, até passou a dar um pouco mais de atenção aos devotos que apareciam por lá. Granjeou mesmo fama de milagreiro, pois a fé que nutriam nele era tanta, que muitos se curavam só pelo fato dele dirigir-lhes a palavra. Ignoravam que a ajuda divina se manifesta onde haja fé e que os mensageiros de Deus não se preocupam em receber os créditos.

As coisas mudaram novamente quando, de um momento para o outro, deixou de ver os fiéis se acercando. O eremita pensava, talvez não viessem mais por causa daquela estranha escuridão que tudo envolvera. Parecia que nuvens pesadas estivessem paradas sobre o eremitério.

Engraçado também que não sentia mais fome, nem sede, por ventura pelo estágio de concentração que agora atingia.

“Pai Nosso, que estais nos céus …”.  A solidão pesava, mas, surpreendia-se cada vez mais com sua capacidade de não mover-se do lugar e concentrar-se cada vez mais na prece, nem mesmo atinava quando era dia nem noite.

Tão forte era sua capacidade de concentração quem nem abria mais os olhos, mesmo porque a escuridão e a solidão que o rodeavam eram sempre as mesmas. Mas, nem por isso, se sentia mais próximo de Deus, alguma coisa faltava, seu coração começava a alertá-lo que o caminho seguido estava errado.

“Pai Nosso, que estais nos céus …” prosseguia interminavelmente, quando um chacoalhão o interrompeu. Algo ou alguém lhe puxava o esfarrapado hábito de monge. Com muita dificuldade abriu novamente os olhos e para sua surpresa viu a conhecida raposa tentando fazê-lo mover-se.

Dói daqui, dói dali, consegue mover os músculos atrofiados das pernas e dos braços para levantar-se. Tropeçando segue a raposa que lhe vai a frente, sem entender como, nem por quê!

Ele percebe que está saindo de uma espécie de gruta, clareando aos poucos o caminho, vê uma escada e ao fim da escada encontra uma porta. Seguindo ainda a raposa, atravessa a porta e chega a um descampado e ai, vendo onde estava, cai de joelhos em pranto de profundo arrependimento.

Estava diante de uma pequena igreja, construída em cima do eremitério onde morrera e fora enterrado sem perceber. Sua fama local de santo milagreiro, garantira-lhe imerecidamente um modesto templo próprio.

Olhando a raposa, que ali estava parada, o eremita desencarnado finalmente compreendeu que sua vida só não fora totalmente egoísta porque houve um ser que ele ajudou, justamente aquele que agora caridosamente o resgatara do absoluto isolamento espiritual que cultivara para si mesmo.

Muita Paz,

Carlos A. I. Bernardo

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Imagem: Floresta - banco de imagens pixabay.com

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